Entrevista: Carreira Diplomata com Celeste Cristina Badaró

Celeste Cristina Badaró

 

Olá pessoal,

Recebemos algumas perguntas sobre a carreira diplomática e procuramos por um tempo por um profissional que pudesse expor um pouco da sua experiência na diplomacia e encontramos nessa busca a Cristina e ela educadamente aceitou conceder uma entrevista para o LabCarreiras, confira:

 

Uma pequena introdução para os leitores. Em primeiro lugar, preciso deixar um aviso de que tudo o que eu disser aqui é opinião pessoal minha e não representa o Ministério das Relações Exteriores. Meu nome é Celeste Cristina Badaró, e sou segunda secretária na carreira de diplomata. Entrei para o Instituto Rio Branco em 2009 e, desde então, servi nas Embaixadas do Brasil, na Noruega e na Jordânia. Tenho 32 anos e sou formada em Relações Internacionais e Ciência Econômicas. Sou casada com um pesquisador norueguês que conheci quando servia em Oslo e no momento estou em licença maternidade após o nascimento da minha primeira filha, em março, aqui na Jordânia.

 

Cristina conte para nossos leitores como foi o seu processo de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD). De que forma foi sua preparação para o processo seletivo inicial e quais eram as suas expectativas?

Meu processo de preparação pro CACD foi meio atípico. A grande maioria dos aprovados estuda por muitos anos e faz cursinhos preparatórios para conseguirem a aprovação. Felizmente, eu passei na primeira tentativa, após alguns meses de estudo. Meus planos na verdade eram para o ano seguinte, mas acabei passando meio no susto. Acho que contribuiu para o meu sucesso o fato de as minhas formações serem complementares e muito relacionadas ao concurso (sou formada em Economia e Relações Internacionais).

 

De que forma foi a preparação interna após a aprovação para o cargo de terceiro-secretário?

Assim que tomei posse, comecei o curso preparatório no Instituto Rio Branco, que durou 1 ano e meio. O primeiro semestre foi de aulas em horário integral e os dois semestres seguintes foram de aulas no período da manhã e estágio em uma unidade da Secretaria de Estado na parte da tarde. Não sei como funciona agora, mas sei que a programação letiva mudou um pouco, até pela dinâmica diferente com as turmas menores (eu fui aprovada em 2009, quando houve 109 aprovados. Atualmente esse numero fica em 20-30 aprovados).

 

Atualmente, qual local você reside? Quais lugares já passou? Como funciona esse processo de transferência?

Atualmente estou servindo na Embaixada em Amã, na Jordânia e antes servi em Oslo, na Noruega. O processo de remoção acontece por meio de um mecanismo semestral, no qual a gente se inscreve para as vagas que estiverem disponíveis. É um processo complexo, que depende da sua vontade, das necessidades de pessoal dos postos, das indicações dos chefes do posto e das chefias em Brasília… Mas no fim você nunca é enviado a um lugar contra a sua vontade.

 

Quais foram os maiores desafios nesses outros países, tanto de comunicação e cultural. Como lidou profissionalmente e pessoalmente nessas circunstâncias?

Na Noruega foi um desafio lidar com o jeito mais direto deles. Eles já partem direto ao ponto e não gostam muito quando você começa a conversa com amenidades. Na Jordânia, é um desafio lidar com a cultura do “wasta” que é uma prática daqui baseada em influências e em relações pessoais.

 

Percebeu alguma diferença de tratamento no campo profissional nos países em que viveu por ser uma mulher diplomata?

No meu trabalho eu não sinto muito isso, pois o diplomata representa o país. Quando eu lido com algum contato pessoal eu sou o Brasil, não sou uma pessoa física, por isso sou respeitada. O mais difícil aqui na Jordânia é na minha vida pessoal. Aí enfrento restrições por ser mulher sim: não preciso usar véu, mas há restrições de vestimenta; não posso amamentar em público; enfrento assédio na rua…

 

Em relação a casamento ou união, como se deu no seu caso? Caso a pessoa queira casar com alguém não brasileiro ou ter o cônjuge acompanhando sua missão.

Para o diplomata se casar com estrangeiro, é preciso pedir autorização do ministro de estado! É um processo simples, apesar de burocrático, e não conheço ninguém que teve o pedido negado. Depois de casado, o cônjuge (estrangeiro ou brasileiro) recebe passaporte diplomático e pode nos acompanhar em qualquer posto em que formos servir.

 

Em relação a maternidade, a gente sabe que você está de licença maternidade. Conte para nós como é esse processo para você ser mãe num local diferente.

Sobre os direitos trabalhistas, eu tenho os mesmos que funcionários públicos no Brasil. Como eu já pretendia ter filhos, pesquisei sobre o assunto antes mesmo de pleitear remoção pra Jordânia. O sistema de saúde aqui é muito bom e eles são inclusive destino de turismo medico da região. Eu fiquei bem satisfeita em ser grávida e parir aqui. Os jordanianos adoram grávidas e crianças, todo mundo me oferecia chocolate e tâmaras!

 

Você passou por algum momento difícil em sua carreira diplomática em algum lugar, seja de guerra ou catástrofe natural?

Não passei pessoalmente, mas meu trabalho na Jordânia é muito afetado pelo conflito na Síria, pois fazemos parte do programa de vistos humanitários para refugiados sírios. É um aprendizado constante lidar com pessoas marcadas por eventos tão traumáticos.

 

Como é a interação entre vocês, diplomatas? Você tem contato com os novos? Há algum encontro anual de formação ou algo desse nível?

Os colegas com quem você mais convive acabam sendo seus colegas de Instituto Rio Branco. É comum os diplomatas se apresentarem falando algo como “sou da turma 2009”. Na semana passada a minha turma completou 10 anos da nossa posse como terceiros secretários e o pessoal fez um almoço de comemoração em Brasília, mas infelizmente não pude participar pois estou fora do Brasil.

 

Como é a rotina em uma embaixada? Quais atividades que são ordinárias e extraordinárias?

É difícil falar em rotina de embaixada pois não há muita rotina! Depende do país, do setor onde você trabalha, da época do ano, do tamanho da embaixada…

Basicamente, uma embaixada é dividida em setores temáticos (político, econômico, cultural, comercial, energia etc), além de um setor consular (para atendimento de cidadãos) e uma administração. Por isso, o setor comercial em Brasemb Washington, por exemplo, é completamente diferente do setor consular em Pequim, que é diferente do setor consular em Oslo, que é diferente do setor político em Adis Abeba…

A única coisa em comum em todos os postos é que em geral o dia começa recebendo a série telegráfica com instruções de Brasília, durante o expediente a gente tenta responder às demandas de Brasília e acompanhar demandas locais que possam aparecer, e termina escrevendo de volta para Brasília sobre essas demandas.

 

Como foi a rotina de fazer duas graduações? Os prós e contras?

Eu cursei Relações Internacionais na PUC Minas, na parte da tarde, e Economia, na UFMG, na parte da manhã, mais ou menos ao mesmo tempo. Foi muito pesado, eu sinceramente acho que não compensa. Eu não tinha tempo para atividades extra-curriculares, estágio ou mesmo diversão, então acabei perdendo bastante da rotina universitária. Hoje em dia acho que eu faria uma pós ao invés de outra graduação.

 

Conte um pouco de como funciona as remoções, promoções, missões eventuais, lotação em Secretaria de Estado e indicação.

Sobre remoções já conversei um pouco em outra resposta. As promoções são meio complicadas, e envolvem passar por uma avaliação horizontal, de colegas na mesma classe que você, e vertical, da chefia. A primeira lotação na Secretaria de Estado depende do seu desempenho no Curso de Formação do Instituto Rio Branco, e as seguintes dependem de onde tiver vaga, quem você conhece, essas coisas. As missões eventuais aparecem de acordo com seu trabalho: por exemplo, se você cuida de comércio pode acabar indo numa missão eventual para negociação de um acordo de livre-comércio.

 

Brevemente, diga qual a diferença de hierarquia entre um diplomata e embaixador? E de funções.

Embaixador é um cargo da carreira de diplomata. A carreira é hierárquica e todo diplomata passa necessariamente pelos seguintes cargos, nessa ordem: terceiro secretário, segundo secretário, primeiro secretário, conselheiro, ministro de segunda classe, ministro de primeira classe. O ministro de primeira classe também é chamado de embaixador.

Mas embaixador também é o chefe de uma embaixada ou consulado. Nesse caso, pode ser um ministro de primeira classe ou, em casos especiais, um ministro de segunda classe, um conselheiro ou até alguém de fora da carreira.

 

Pode nós dizer sobre alguns mitos da carreira de diplomata?

Acho que o principal mito é de que vivemos um estilo de vida muito chique cheio de festas estilo a propaganda do bombom. Na verdade, a gente até precisa ir em eventos, mas é trabalho! Os eventos servem para fazer contatos, estabelecer relacionamentos, marcar o interesse do Brasil…

 

Você poderia dar uma dica para quem já foi aprovado e está começando a carreira agora. E uma dica para quem está começando a planejar os estudos para ingressar na carreira de diplomacia.

Para quem está começando a carreira meu conselho é ter flexibilidade. A gente costuma entrar na carreira pensando em lidar com um tema específico ou servir em algum posto dos sonhos, mas acabamos indo pra caminhos inesperados – e costuma valer a pena. Para quem está tentando o concurso, minha dica é não se intimidar com a prova. Sei que parece super difícil e que a aprovação só é possível com anos de estudo e muito investimento. Eu fui aprovada na minha primeira tentativa, ainda no final da faculdade. Acredite que há inúmeros caminhos diferentes para chegar à aprovação no CACD.

 

 

 

Cristina em missão com meninos refugiados sírios que foram treinar futebol no Brasil

 

 

Entrevista por Tamires Mascarenhas

 

 

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