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Entrevista: Carreira de Tradutor(a) de Livro

Regiane Winarski

 

 

Olá leitores,

Entrevistamos Regiane Winarski tradutora de livros do Stephen King, Peter Straub, Jenny Han e outros. Conheci no twitter (@RegianeWinarski) suas opiniões enriquecem meu dia-dia, ela tem um site super interessante (AQUI) faça sua inscrição no Subscribe (newsletter) para receber as novidades. Segue abaixo a entrevista sobre a carreira de tradutora de livros:

 

Regiane, obrigado por aceitar nosso convite. Para iniciar, conte aos nosso leitores sobre sua trajetória acadêmica. Você estudou alguma curso específico para trabalhar com tradução de livros?

Eu estudei produção editorial, que é uma habilitação de Comunicação Social, na UFRJ. Não é um curso para formar tradutores, e sim pessoas para trabalhar em editoras. Existe um curso superior de tradução, mas não é obrigatório cursá-lo para ser tradutor. É possível exercer a profissão com qualquer formação que se tenha, desde que com conhecimento da área.

 

Sobre sua trajetória profissional o que te levou a ser tradutora de livros. Foi algo que já planejava ou algo que surgiu. Como se deu essa escolha ou ela escolheu você?

Eu sempre amei ler, desde muito pequena, mas ainda não pensava em ser tradutora. Também amava escrever e amava inglês desde a época do colégio, mas foi o amor pela química que me fez estudar engenharia química primeiro, quando terminei o ensino médio. Mas não concluí e mudei para o curso de produção editorial, pensando em trabalhar em editoras mesmo. Mas surgiu uma oportunidade de dar aulas de inglês (eu também tenho licenciatura) ainda durante a faculdade, e foi um trabalho que me realizou muito por um tempo. Só quando minha filha nasceu e eu fiquei com dificuldade de conciliar horários de aulas e os cuidados com ela foi que pensei: por que não tradução? Investi em estudos por conta própria durante um ano mais ou menos e comecei a enviar currículos em busca de oportunidades.

 

Como é a sua relação com as editoras? Você traduz para um específica?

O tradutor é um profissional autônomo, ou seja, eu não tenho vínculo empregatício com ninguém. As editoras me contratam por livros. Elas me procuram quando têm um livro a ser traduzido, me fazem a proposta e, quando eu aceito, trabalho nele até o prazo combinado. Depois da entrega do livro pronto, recebo meu pagamento e acabou esse ciclo. Eu traduzo pra muitas editoras, mas a maioria não tem livros para tradução constantemente, ou seja, raramente há sequência de projetos de tradução na mesma editora. Por isso o trabalho do tradutor é um pouco malabarismo, de saber encaixar prazos e conhecer seu tempo e método de trabalho e tentar acomodar mais de um projeto ao mesmo tempo se surgirem oportunidades assim.

 

Você é a responsável pela tradução na íntegra, desde o conteúdo e o título, ou a editora realiza alguma parte da tradução?

Em geral, o título é decisão da editora, porque há mais do que apenas transpor o título original em jogo. Mas nos casos de títulos não muito óbvios, às vezes o editorial pede sugestões. Os textos de capa e orelha também são feitos pela editora. Em geral, são textos originais e não traduções. Mas o conteúdo do miolo (o corpo do livro) é todo meu, mas considerando que depois passa pelos ajustes de um copidesque e uma ou duas revisões.

 

Como é o processo de tradução? É um trabalho home office? Quantas horas por dia?

Como mencionei antes, tradutores editoriais costumam sim ser autônomos. Portanto, eu trabalho de casa. Atualmente, não conheço nenhum tradutor editorial (seja literário ou não) que trabalhe dentro da editora, como contratado. O número de horas vai depender dos projetos que eu tiver para serem feitos, e como estou em casa, posso decidir isso como achar adequado. Eu costumo fazer um planejamento diário quando recebo o livro que vou traduzir, para tentar cumprir uma meta e seguir um ritmo regular e não estressante até chegar meu prazo. Por isso é importante conhecer seu ritmo e fazer planejamentos viáveis, para não ter surpresas conforme o prazo for chegando.

 

Como é a sua interação com seus outros colegas de profissão?

Profissionalmente, o tradutor não tem contato com outros tradutores, nem com mais ninguém que trabalhe com o texto. É um trabalho bem isolado. Mas felizmente as redes sociais me permitiram conhecer vários colegas, e hoje em dia considero que tenho uma rede de apoio e amizade maravilhosa com outros tradutores. Nós inclusive nos ajudamos em caso de dificuldade com algum texto, que é uma coisa preciosa para quem estava acostumada a ficar totalmente sozinha!

 

Como é a sua relação com os autores? Vocês conversam, você pode fazer perguntas e/ou interagir, pra tirar uma dúvida de algum contexto?

Os tradutores não têm contato com os autores. Se houver necessidade de algum esclarecimento, isso deve ser feito por intermédio da editora. Apesar disso, já cheguei a ter contato com alguns autores por meio das redes sociais, e conheci pessoalmente 3 deles – mas isso nunca foi durante o processo de tradução, e sim depois.

 

Você também vai aos lançamentos dos livros? Como é a questão de reconhecimento do seu trabalho?

Essa é uma questão delicada. Tradutores não costumam participar dos lançamentos de livros e raramente são procurados para qualquer coisa relacionada aos lançamentos. Ainda é uma profissão invisível e sem muito reconhecimento. Atualmente, algumas editoras têm citado os tradutores quando anunciam seus lançamentos e promovem nossa participação em redes sociais, mas considero isso um movimento ainda muito no comecinho. Leitores, blogueiros e youtubers têm sido grandes parceiros na luta contra a invisibilidade do tradutor. Acredito que a tendência é que a profissão seja valorizada e sejamos cada vez mais reconhecidos como os profissionais responsáveis pelas obras em português. Por isso eu sempre peço a todos que saibam quem traduziu os livros que estão lendo e, se possível, procurem acompanhar nosso trabalho.

 

Como você organiza sua agenda de tradução? Como é seu processo de aceitação e recusa de tradução de alguma obra?

Eu costumo avaliar o original para entender o nível de dificuldade e o tempo diário que esse trabalho vai ocupar, levando em consideração o prazo. O ideal pra mim é ficar duas horas por dia em cada livro que estou traduzindo, porque já percebi que mais de duas horas no mesmo texto se torna um pouco contraproducente. Mas isso é totalmente pessoal, é como as coisas funcionam para mim. Eu gosto de poder parar depois de duas horas de trabalho num livro, fazer uma pequena pausa e iniciar em outro livro em seguida. Tento organizar meu dia assim, mas não é muito fácil porque eu tenho uma filha de 14 anos, preciso me adaptar aos horários de buscá-la na escola e também tenho que lidar com a movimentação dela em casa na parte da tarde. O período da manhã, quando ela está na escola e meu marido foi para o trabalho, é o que mais rende para mim.Sobre aceitação e recusa, em geral depende mais de como está minha agenda. O motivo para eu não pegar a tradução de algum livro costuma ter a ver com isso. Já aconteceu também de eu recusar porque o valor de pagamento que ofereceram era muito baixo.

 

Tem algum livro que você já traduziu e teve um forte impacto na sua vida por um momento que estava passando?

Considerando o tempo que eu passo mergulhada em um livro, quase sempre meses de trabalho, acho que posso dizer que praticamente todos têm algum impacto. Não tenho nenhuma lembrança específica nesse sentido, mas tenho muitas lembranças de momentos pontuais de várias traduções.

 

Teve alguma obra que foi muito difícil traduzir?

Várias! E por motivos variados. It – A coisa, por exemplo, além de ser um livro enorme, tem uma carga emocional muito pesada. Livros de fantasia são difíceis porque exigem que eu mergulhe num universo totalmente criado pelo autor e tente transpor esse universo para o nosso idioma da melhor forma possível. Livros chatos também são difíceis, haha.

 

Já escreveu algum livro? Ou tem pretensão de escrever?

Nunca escrevi e nem pretendo, ao menos por enquanto.

 

Atualmente temos lutado por igual de oportunidades e salários. Você acha que nesse ramo de profissão tem algum tipo de preconceito ou diferença entre ser homem e mulher?

Eu não tenho como dizer com total segurança, até porque não vejo muito bem o que acontece nos bastidores das escolhas de tradutores. A princípio, eu diria que não, mas desconfio que em algumas editoras certos tipos de livros não são atribuídos a tradutoras mulheres, por preconceito mesmo. Mas também vejo uma geração jovem de editores tentando quebrar muitos desses paradigmas. Em relação a pagamento, acho que isso acontece bem menos, até porque, em geral, as editoras já têm estipulado o valor que pagam para tradutores.

 

Eu vi que você é mãe, poderia falar um pouco para nós sobre a maternidade e trabalho quais são seus desafios e gratificações.

É mesmo um grande desafio trabalhar em home office com filhos em casa. Tenho uma menina que está com 14 anos. Quando comecei na tradução, ainda com legendagem, ela tinha 2 anos e ficava na creche durante o dia. Mas essa é uma idade difícil, a criança fica doente com frequência, e eu precisei virar várias noites trabalhando para compensar os dias com ela quando ela estava doente. Esse, inclusive, foi um dos motivos para eu ter abandonado a legendagem, que tem prazos bem menores e exige mais jogo de cintura. Com livros, prazos de meses, é mais fácil lidar com imprevistos que me impedem de trabalhar um dia ou dois. Mas, mesmo assim, crianças interrompem muito, querem atenção (e é justo que queiram!), precisam muito da mãe presente. É um baita malabarismo. Agora, com 14 anos, é bem mais tranquilo. Ela já cuida dos estudos, deveres de casa, faz as coisas dela, já sai sozinha para alguns lugares. Com isso, meu rendimento e minha concentração ficaram bem melhores.

A parte divertida foi quando ela começou a entender o que eu faço e a ter prazer de ver meu nome na folha de rosto dos livros. E mais ainda quando as amigas começaram a ler livros traduzidos por mim e a se impressionarem quando descobriam que foi a mãe dela que traduziu. Ela hoje em dia curte muito o que eu faço, lê alguns dos livros que eu traduzi e é uma grande parceirinha.

 

Regiane para quem quer entrar no ramo de tradução de livros, qual dica você daria.

O principal é que leiam muito. Quem não lê não tem condições de trabalhar com livros. Para ser tradutor, é importante ler tanto no idioma de partida (que é aquele do qual você quer traduzir) quanto ler em português. É importante ter excelente redação, escrever muito bem em português. Tem que saber e gostar de pesquisar, estar sempre alerta (porque os textos originais têm muitas pegadinhas, e a gente tem que desconfiar de tudo e pesquisar sempre que achar uma coisa estranha) e ter ótima cultura geral. Você pode ser contratado para traduzir uma história de amor, por exemplo, e acabar descobrindo que o protagonista da história joga golfe e passa várias cenas em jogo. O livro nem é sobre golfe, mas você vai ter que pesquisar e muito sobre o esporte para fazer as traduções dessas cenas. E sempre recomendam que, antes de começar, pesquisem muito sobre tradução. Há muitos blogs, sites, canais de YouTube e outros recursos que permitem conhecer um pouco mais a profissão.

 

 

Entrevista por Tamires Mascarenhas

 

 

 

 

 

 

 

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One thought on “Entrevista: Carreira de Tradutor(a) de Livro

  1. Adorei a entrevista. Objetiva e enriquecedora! Sou formada em Psicologia e tenho pós-graduação em Tradução. Estou à busca de uma oportunidade para começar a traduzir profissionalmente e adoraria encontrá-la na área literária. Por enquanto, sigo com um blog próprio sobre a síndrome de Asperger, onde não apenas escrevo, como traduzo artigos e trechos de livros sobre o assunto, para ajudar a informação a chegar às famílias que não têm o inglês como segundo idioma, haja vista que a vasta maioria do conteúdo sobre o tema não está disponível em português. Porém, realizo esse trabalho de forma filantrópica e é preciso ganhar a vida, ou seja, busco oportunidades remuneradas também. Quem tiver interesse, este é o endereço do meu blog: sindromedeasperger.blog

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